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Watchmen – Gibi com Teor Literário (1ª Parte)

Olá pessoas!
Aproveitando a 'deixa' sobre quadrinhos da última publicação aqui no QUIMILOKOS, e minha súbita mudança de cabelo [hahaha!], resolvi reproduzir um material disponibilizado pelo blog Cantos da Subversão, sobre WATCHMEN, demonstrando seu teor literário, mesmo em se tratando de um gibi; situação inusitada, uma vez que as pessoas normalmente não atribuem o devido valor às HQ's.
Eu, pessoalmente, sou apaixonada, e o material postado pelo dono do referido blog, denominado M.A.M.K., é de excelente qualidade! Então, não poderia deixar por menos!
No entanto, como é bastante extenso, está dividido em 4 partes, que estarão disponíveis aqui no QUIMILOKOS em 4 publicações, ok?!
Acompanhem comigo!
Hoje, a primeira parte!!
 
 
Watchmen – Gibi com Teor Literário (1ª Parte – AVISO: Contém revelações do enredo)
por Cantos da Subversão
"Quis custodiet ipsos custodies?"
"Who watches the watchmen?"
"Quem vigia os vigilantes?"

Histórias em Quadrinhos sempre despertaram certo preconceito em versados em literatura devido ao seu conteúdo pouco complexo. Admito que, quando adolescente, já cinéfilo, embora eu ainda estivesse longe da literatura, não simpatizava muitos com HQ – até ler O Reino o Amanhã (The Kingdon Come – 1996). Depois, li o A Piada Mortal (The Killing Joke – 1988), de Alan Moore. Fenomenal! E graças à indicação de um amigo, vi o filme Watchmen (2009), de Zack Snyder. O trabalho de Snyder ficou razoável (excetuando a péssima interpretação de Malin Akerman,  Espectral II), uma adaptação bem fiel ao enredo original, e fez-me conhecer outro estupendo trabalho de Moore, ilustrado por Dave Gibbons. Logicamente, fui atrás do HQ. Já sabia o que esperar por causa do filme; mas, claro, por tratar-se de uma série de 12 volumes, imaginava que apresentaria mais conteúdo. Justamente. Eis minha interpretação sobre essa obra singular:
A começar, não é mais um HQ onde o heroísmo impera; está mais para o fim de um carnaval, onde os mascarados vão para casa, não satisfeitos pela glória de terem sido herois, mas deprimidos pelo fim de seus dias úteis. Em Watchmen, a efusão do heroísmo já passou: o que vemos são apenas os resquícios, as cinzas de uma época magistral. Os poucos heróis restantes foram proibidos por lei – a exceção de dois (já falaremos deles) – e a sociedade os repudia feito criminosos, como se não precisasse deles, embora as cidades ainda fossem violentíssimas. É um trabalho que, apesar do pano de fundo fantástico, preza conceitos reais, pois seus personagens sofrem desilusões, cometem crimes e injustiças, sentem medo, desespero, transam… morrem. São pessoas sem poderes extraordinários, ainda que, por suas características psicológicas, éticas, forças e fraquezas, sejam fascinantes. O interessante da trama é, conquanto os personagens tenham semelhanças com outros personagens de histórias em quadrinho, o alheamento do universo de Watchmen em relação aos outros universos HQ. Ou seja, Superman e Batman existem na realidade de Watchmen do mesmo modo que existem na nossa – ficticiamente. Eles influenciaram os primeiros mascarados a combater o crime – mas não os podiam salvar, por sua inexistência. O terror em Watchmen, o mal que os vigilantes devem impedir é o mais terrível e realista possível: a ameaça da Terceira Guerra Mundial. O pano de fundo é a Guerra Fria. Por causa de uma greve dos policiais, havida em 1977, em razão dos mascarados “impertinentes”. Então, o povo se revoltou, protestou contra os vigilantes, e foi implantada a lei Keene, que proibia a intervenção de heróis na segurança pública.


 São seis os personagens principais de Watchmen: O Comediante (Edward Blake), Rorschach (Walter Covacs), Dr. Manhattan (Jonathan Osterman), Espectral II (Laurie Juspeczyk), Coruja II (Dan Dreiberg) e Ozymandias (Adrian Veidt). Todos eles – à exceção do Dr. Manhatam – não têm poderes. Valem-se de sua perícia em artes marciais, força olimpica, de certos tipos de armas e de seu raciocínio. A história começa com a notícia do assassinato de Edward Blake – foi espancado e arremessado pela janela de seu apartamento, e com a queda, segundo a descrição de Rorschach, sua cabeça foi parar no estômago – que tem maciça repercussão durante os dois primeiros volumes da série. Apesar de Blake, o Comediante, estar morto no tempo presente da história, aparece em muitos flashbacks. Indiferente à dor alheia, sádico, irascível, niilista, asqueroso como um bêbado, podre em vários sentidos, o Comediante foi um dos poucos que conseguiu distinguir, por si só, a face horrível da humanidade (a que a mesma tenta esconder) e procurou refúgio na negra ironia e sabia que todos os esforços dos herois mascarados para tornar o mundo um “lugar habitável” eram nulos, visto que não se pode mudar a natureza humana (nem o onipotente Manhattan, como o próprio admite no final do filme – aliás, ótimo acréscimo). No decorrer da trama se constata o que bons observadores já sabiam: Blake só é amoral porque esta é sua proteção contra o mundo – esta foi sua única saída para suportar tanto horror. Numa das cenas memoráveis do HQ, pouco antes de seu assassinato, ele visita Moloch, um super vilão doente e “aposentado”, para desabafar sobre algo que lhe soa nefasto e incompreensível – mais terrível do que seus crimes. Então, o cético, o sádico, em completa desesperança, pergunta ao vilão decrépito: “Qual é a graça? Onde está a graça? Eu não entendo. Alguém pode me explicar?” Desfecha a segunda edição de Watchmen, “Amigos Ausentes”, o qual retrata o enterro e detalhes da história do Comediante (além da influência que ele exerce sobre os demais), com Rorschach, sozinho em frente à tumba desse sardônico herói, contando uma piada que ele certa vez ouvira:


Um homem vai ao médico e diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico então diz: “O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade. Assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo.”
O homem, então, se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci…

Desde o inicio, é evidente a admiração, o respeito, de Rorschach pelo Comediante, por ele ter alcançado conclusões semelhantes às suas. Conclusões desesperadoras, às quais poucos conseguem, de certo modo, resistir. Sobreviver-lhes.
Rorschach, por sua vez, é um dos personagens mais estranhos de Watchmen. E um dos que mais merecem análise. Poderia ser taxado de misterioso também, se boa parte de sua história não houvesse sido revelada nos meados da série (e eu agradeço a Moore por ter tido a ideia de revelá-la, criando assim a melhor edição – minha opinião – de Watchmen: “O Abismo também Contempla”). Rorschach, inspirado no Questão, personagem da DC Comix, é o único que se mantém na ativa mesmo com Lei Keene (que proíbe a intervenção de mascarados no combate ao crime, exceto Dr. Manhattan e o Comediante), e por isso é perseguido pela polícia. Inconveniente, antissocial, demasiado cruel com os bandidos, portador de uma inextinguível revolta, ele tem certas semelhanças com o Comediante (daí o respeito), ainda que, diferente do anti-heroi assassinado em seu apartamento, Rorschach não fazia concessões (já que o comediante aliou-se ao governo). Tido por todos como louco, sendo que o único a prezá-lo como amigo era o Coruja II (Manhattan tratava-o com a mesma “simpatia autista” que tratava os demais), que, aliás, foi seu parceiro, durante certo tempo, antes da proibição. Característica desse atípico anti-heroi é a inconveniência, infiltrando-se em qualquer lugar sem ser notado. Porém, numa dessas, ele caiu numa armadilha e foi preso pelos policiais, encerrando a edição “Terrível Simetria” com a máscara dele sendo retirada (“Tyger! Tyger! Burning Bright / In the forests of night, / What immortal hand or eye / Could frame thy fearful simmetry?”). Na prisão, o psiquiatra humanista Malcolm Long assume o caso de Walter Kovacs, intentando reabilitá-lo. Mas não imaginava que Rorschach fosse um abismo tão imenso e obscuro. Não se pode chamar de duelo a relação entre eles, pois nunca foi um embate nivelado.


Walter Kovacs foi, literalmente, um filho da puta. Humilhado e maltratado constantemente pela mãe, Sylvia Kovacs, sem amparo familiar para suportar as agressões morais nas ruas, e acaba atacando dois garotos que implicavam com ele – cegando, parcialmente, um deles, com um cigarro. Depois disso, é levado a um reformatório, onde denota demonstrou grande desenvoltura física e intelectual. Depois de haver saído do reformatório, arruma um emprego numa loja de roupas. Ao saber do estupro e assassinato de uma jovem – Kitty Genovese – e enojado com descaso dos vizinhos que presenciaram a tudo sem tomar providência alguma, ele dá vida a Rorschach – sua versão altamente impiedosa. Quando não estava disfarçado de superherói, Walter passava boa parte do tempo nas ruas, empunhando uma placa com a incrição “The End is Nigh” (“O Fim está Próximo”), fazendo-se passar por “mendigo louco”, para assim observar melhor as ruas, sem causar o impacto que Rorschach causaria. Deste modo, até a sua “verdadeira” identidade era um disfarce, uma extensão de Rorschach (como será que ele se mantinha? Detalhe supérfluo quando a história é boa). Também, é digna de análise sua real aparência – feia, irrisória, mirrada (parece a versão adulta do Alfred E. Newman, da revista Mad). Além disso, é fedorento, como repetidas vezes é mencionado no HQ. Esses detalhes extirpam o estereótipo de heroi galã e robusto, até hoje tão louvado. É um rato de esgoto limpando a sujeira do mundo… não um anjo alado e sem face.     
Sempre num tom de voz impassível, Kovacs fala sobre seu alter ego incoercível. A consciência de Malcolm Long é esmagada pelo passado do anti-herói, que já presenciou coisas realmente terríveis. Aliás, o sociopata pôde definir de forma mais abrangente quem o analisava, com meia dúzia de palavras, do que os processos sistemáticos (e infantis) aplicados pelo especialista: gordo, rico, que nunca sofreu ou deparou-se com o sofrimento, desconhecedor da verdadeira natureza humana, protegido apenas por uma débil camada de ingenuidade. Ao romperem-se suas inermes defesas, ele é tragado por uma infinda inanidade. Perturbado, após ter desapontado seus familiares num jantar (quando descreveu o caso da menina que foi raptada, morta, esquartejada e dada de comer aos cães), senta-se solitário na cama, olhando os borrões de tinta que mostrou a Walter, em seu tratamento, tentando enxergar uma árvore frondosa com sombras estendo-se sobre o gramado, mas só lhe vinha a imagem de um gato morto que encontrara em frente, repleto de larvas gordas que o adentravam como se necessitassem fugir da luz. Mas, essa perspectiva ainda era uma espécie de eufemismo; pois a imagem não passava de um borrão de trevas, sem significância. Este era o verdadeiro horror… o vazio.
Passado esse momento, Rorschach, alvo constante dos prisioneiros, sobrevive à rebelião causada, indiretamente, por ele mesmo, ao causar a morte de um dos detentos ao jogar-lhe gordura fervente (este morreu no hospital, dias depois), já que todos desejavam matá-lo – grande parte dos detentos foi encarcerada por Rorschach. Nas ocasião, ele é resgatado por Coruja II  e Espectral II. Admito que ficou meio mal-contada essa parte, pois, uma pavorosa rebelião que se gerou por causa de Rorschach, apenas três homens (um gangster anão e seus dois capangas) vão ao seu encalço – talvez, isso deu por ele haver ficado na solitária, talvez, eu não tenha compreendido bem. “Não sou eu que estou presos com vocês, são vocês que estão presos comigo” – Walter Kovacs, após despejar gordura quente sobre o detento que o importunou na fila do almoço. Enfim, “Live Hard, Die Hard”. No final, em minha opinião, apesar de seu final apoteótico, o personagem sofre certo declínio (perde seu ímpeto irrefreável), mas nada que comprometa seu valor.  
 

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