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Watchmen – Gibi com Teor Literário (3ª Parte)

Watchmen – Gibi com Teor Literário (3ª Parte – AVISO: Contém revelações do enredo)

(Continuando...) por Cantos da Subversão


Por fim, há o segundo personagem mais poderoso da série: Adrian Veidt, que com sua absurda capacidade mental, consegue realizar ações sobre-humanas (como desviar de balas por calcular sua trajetória) e, até mesmo, controlar funções vitais. Em decorrência desse altíssimo intelecto, que lhe permitia assim coordenar melhor seus pensamentos, Adrian tornou-se um excelente acrobata, lutador, e estrategista. Anos antes da lei Keene ser aprovada, Ozymandias (o nome provém de um poema de Percy Bysshe Shelley) abandonou sua heróica vida (em termos) e revelou sua identidade publicamente. Aposentou-se. Depois, tornou-se um empresário multibilionário, que vive à custa de Ozymandias, vendendo a imagem sua e de seus vilões com brinquedos e outros tipos de merchandising, “se prostituindo” (como Rorschach, indiretamente, lhe jogou na cara isso, entre outras coisas – a típica sinceridade de Rorschach). Tornou-se um filantropo, realizando generosas doações a instituições de caridade e utilizando sua inteligência para instruir as pessoas a ter uma vida melhor. Até o final da série, pouco se sabe sobre este personagem, visto que ele muito pouco participa. É visto em flashbacks – como Ozymandias – em convenções de herois, quando é procurado por Rorschach, para ser alertado do assassino de mascarados, em programas de TV, e quando sofre uma tentativa de assassinato (no qual morre sua secretaria – no filme, morre uma cambada de executivos). como “estimação” um monstruoso lince com chifres, geneticamente mudado, que lhe serve como um guardião, ao qual ele deu o nome de Bubastis. Mas o que faria um super gênio virar um mero socialite… um popstar?


Para começo de conversa, a renúncia de Ozymandias não foi em vão: ele já previa que, mais cedo ou mais tarde, isso iria acontecer. Antecipando-se, ganharia a fama necessária para por em prática seu plano um tanto maquiavélico (bem “os fins justificam os meios”). Sua vida pública era, de fato, uma farsa, um embuste para perpetrar um crime demasiado terrível, que fez o Comediante desesperar-se, tanto pela gravidade do crime quanto pela necessidade que tinham de cometê-lo. “Qual é a graça? Onde está a graça? Eu não entendo. Alguém pode me explicar?”
Estando o mundo à beira de uma guerra mundial com armas nucleares (culminância nefasta da guerra fria), ameaça que fez muitos se suicidarem, Adrian sabia que o único jeito de impedir que tal destruição ocorresse era efetuando uma substituição de tragédias (matando milhões para salvar bilhões, nas palavras do mesmo). Então, ele mataria metade dos habitantes de Nova York, simultaneamente induzindo o mundo a acreditar que estava ocorrendo uma invasão alienígena. Pois, a devastação seria causada pela onda psíquica de um cefalópode horrífico e gigantesco (criada no laboratório de Adrian). Edward Blake conseguiu descobrir o plano de Adrian, e acabou sendo espancado e morto pelo mesmo. Coruja II e Rorschach descobrem o plano de Adrian ao procurá-lo em sua empresa, indo em seguida ao encontro dele na Antártida, onde o “vilão” possui uma fortaleza. Para os dois cavalheiros, penetrar no esconderijo do inimigo, visto que Ozymandias havia matado todos os seus funcionários vietnamitas (a quem ele deu abrigo em tempos de guerra), pois os mesmos poderiam desmanchar sua farsa. “Meu estômago de um nó e meus bagos enrugaram… é, ‘nervoso’ descreve bem. Sabe, deve ser assim, que as pessoas normais se sentem perto de nós…” (Coruja II, quando seguia ao encontro de Ozymandias)

            É possível que Ozymandias, sozinho, pudesse lidar com os quatro herois humanos que sobraram (Comediante, Rorschach, Coruja II e Espectral II) se estes os atacassem de uma vez só. Somente Manhattan o podia deter. Ciente disso, Rorschach tomou precauções para que o mundo soubesse da verdade caso ele não pudesse voltar para denunciá-la. Dan, aceita o fim de maneira, mais resignado. Quando, sorrateiramente (pois só assim teriam chance de vencê-lo), atacam Ozymandias (que já sabia da aproximação de ambos pelas suas câmeras de vigilância), este os derrota facilmente, como foi previsto pelos mesmos. Todavia, não os mata; trata-os com elegância, relatando-lhes todo o seu grandioso plano e até as suas drásticas influências (Alexandre, o Grande... gênios do mundo antigo – creio que há uma essência napoleônica no arbítrio de Adrian, pelo incomensurável extermínio que ele faria em troca da paz). Não podendo impedi-lo, aceitando a derrota, eles o acompanham escadaria abaixo, enquanto Adrian elucida seus feitos: como matou Blake, causou câncer em pessoas do convívio de Manhattan para exilá-lo (único modo de tirá-lo de seu caminho antes da conclusão do estratagema), emboscou Rorschach e tramou a tentativa de seu próprio assassinato. Quando Dan lhe pergunta quando ele pretendia por o plano em prática, calmamente ele responde: “Pretendia? Dan, eu não sou um vilão de seriado antigo. Acha mesmo que eu explicaria meu golpe de mestre se houvesse a menor chance de vocês afetarem seu desfecho? O processo foi iniciado 35 minutos atrás.” A próxima é a devastação de Nova York, onde, junto com milhões de cadáveres humanos jaz um gigantesco e horripilante cadáver de uma criatura desconhecida.

            Ao saber disse, Rorschach ira-se e enfrentaria Ozymandias se não fosse a presença de Bubastis (por isso, achei que o personagem sofreu decaimento – uma lince não impediria de lutar um homem irreprimível como ele). Mas, então, Dr. Manhattan, após visitar a Grande Maçã destruída, assoma na frente dos olhos atônitos de Adrian para um acerto de contas. Embora o Homem-Deus estivesse um pouco atordoado por causa das partículas de táquion (que o impediam de ver através das paredes), as chances do homem mais inteligente do mundo eram nulas, a não ser por uma alternativa apenas. Fugindo, ele atrai Manhattan para um corredor, usando, pesarosamente, Bubastis como isca, onde pode reproduzir o processo que obliterou Osterman anos antes, apagando da face da terra o homem-deus e o lince mutante. Ao que parecia, o Imortal havia sido derribado. 

“Apagou-se o imortal numa noite sem sonhos…”

            Após o único ser que poderia deter Adrian é dizimado, Espectral II ainda tenta matá-lo numa emboscada frustrada. Sendo os três heróis incapazes de detê-lo, Adrian lhes fala que eles apenas falharam em impedi-lo de salvar o mundo, o que põe a nu a desnecessidade da intervenção deles, embora Veidt ainda fosse tido como um déspota insano. O terrível é que ele falava a verdade… foi inútil tal tentativa. Eis então que Manhattan ressurge, gigantesco como um titã, quebrando a parede e quase conseguindo apanhar o heroi-vilão. Este, apressa-se em pegar um controle remoto no chão, enquanto Manhattan vai diminuindo de tamanho até alcançar a estatura humana, dizendo que estava decepcionado, muito decepcionado com Veidt por não ter previsto que se reestruturar-se depois da subtração do campo intrínseco foi o primeiro truque que ele aprendeu ao tornar-se um deus.

“Você realmente achou que me mataria?… Você é humano. O humano mais inteligente do mundo não significa mais para mim do que o cupim mais inteligente.” A categórica e clássica frase do Dr. Manhattan que dá continuação ao diálogo, bem elucida sua supremacia perante o maior dos homens (baita metáfora!). Porém…

 – “O que está em sua mão, Veidt? Outra arma avançada?”
 – “Sim. Pode-se dizer que sim… notícias de Nova York, imagens chegando…”

            Acionando, simultaneamente, todos os monitores com o controle, vários informativos anunciam que é o fim da guerra mundial, pois a nações devem unir-se para combater uma ameaça maior (e não tempo para tais jogos infantis e genocidas). Ouve-se um grito de exultação, urro de glória: “EU CONSEGUI!” Mesmo Manhattan, o ser supremo, insuperável, invencível, admite que o plano de Veidt foi impecável e que o melhor é deixar as coisas como estão; para o bem da humanidade, o vilão triunfou. Laurie não responde; está aturdida demais para isso. Dan, chocado, acaba por concordar. Kovacs se recusa, deixando o recinto enquanto proferi as palavras “Acordo Jamais. Nem mesmo diante do Armagedon!” Veidt, como bom anfitrião, oferece os aposentos de sua fortaleza a seus “convidados”, para que o aproveitassem a seu bel-prazer. Dan e Laurie vão a um recinto em separado, aproveitar a vida que tem antes que a mesma escape por entre seus dedos, fruindo de todas as boas sensações enquanto podem. Manhattan vai atrás de Rorschach.  
            Em minha opinião (e creio que seja a de todos os fãs, embora inspire certa indignação – mas este é justamente isso que torna esta cena tão poderosa), é o acontecimento mais forte de toda a série. Fora da fortaleza, em meio à neve que ali caia, Manhattan surge às costas de Rorschach, perguntando a este aonde ele estava indo. Walter então responde que iria voltar à nave-coruja e, depois, para a América, pois o mal deve ser punido e pessoas alertadas. Então, Manhattan diz-lhe que não pode permitir, o que faz Walter retirar a máscara dizendo: “Claro. Deve proteger a utopia de Veidt. Mais um cadáver entre suas fundações não faz diferença. Muito bem! O que está esperando? Manda ver.” Sem alternativa, numa simples extensão de sua vontade, o Homem-Deus desintegra o irredutível homem. Jamais render-se à força de um titã, enfrentar os deuses mesmo que isso resulte em sua destruição; isso é filosofia de peso. Nietzsche bem o sabe. Rorschach nunca se trairia por preço algum, mesmo que isso lhe significasse a morte. Logo, é ele quem ordena que Manhattan o destrua, sendo tal atitude sua glória na derrota e um apoteótico desenlace a um personagem fortíssimo.
            Depois, Manhattan retorna para o interior da fortaleza, encontrando Dan e Laurie dormindo nus e abraçados. Ele sorri ao vê-los. Depois, conversa com Veidt, que, apesar de sua extremada inteligência, inatingível, pergunta a Manhattan se havia agido corretamente. Veidt fez, em sua concepção, o que alguém tinha de fazer, obrigatoriamente; só não gostaria que precisasse ser ele o vigilante do mundo, e matar para salvar, embora, de certo modo, o ego lhe impelia, como impeliu Alexandre e tantos outros poderosos (“só eu posso fazê-lo… só eu devo fazê-lo”, como o Marco, personagem de Bétula, um romance meu). Isso é apontado no fim de sua entrevista (Apêndice da 11ª edição), quando o reporte pergunta como ele se sente em ser o homem mais inteligente do mundo: “Não, eu não ligo de ser o homem mais inteligente do mundo. Só gostaria que não fosse desse mundo.”
            E, agora, que te contei quase toda a trama numa resenha imbuída de minha opinião, que dizes? Quem é personagem principal? Apesar de ter preferências, não consigo apontar ninguém. Uma trama envolvente, de importâncias bem distribuídas, sem o nojento favoritismo a personagens medíocres que apenas causam náuseas.

Excedendo todo esse conteúdo, ainda existem outros personagens tão problemáticos e interessantes quanto, como a mãe de Laurie, o dono da banca de jornais e revistas, o garoto escorado no hidrante, lendo sempre o mesmo gibi, etc. Também há os apêndices no final de cada edição, que fala da história de cada personagem ou elemento da série (o livro de Hollis Mason, “Sob o Capuz”, a história dos “Contos do Cargueiro Negro”, estudos sobre Dr. Manhattan, a biografia de Walter Kovacs, entre outras coisas), que enriquecem o enredo. Há também o roteiro dentro do roteiro (o HQ lido pelo garoto no hidrante, “Contos do Cargueiro Negro” – “Tales of Black Freigther”). Como já existiam super herois, ficaram em voga as histórias de piratas. A que o garoto lê, impregnada de terror psicológico (como nos contos de Poe – nota-se a influência), relata um naufrágio um navio depois de ter sido atacado por um cargueiro de bandidos. O capitão foi o único sobrevivente. Temendo que os bandidos invadissem sua cidade e matassem sua família, ele inicia uma tentativa desesperada de retornar civilização sem ao menos saber se poderia salva-los. Com troncos de árvores e os cadáveres de sua tripulação, ele constrói uma jangada e se lança em alto-mar. Nessa terrível viagem, passa a alimentar-se de carne crua de gaivotas e de um tubarão. Quanto mais horrores enfrenta o naufrago, mais lhe sobrevêm. Com linguagem poética e altos teores de loucura e desesperança, Contos do Cargueiro Negro supera, em vários aspectos, muitos gibis verdadeiros. O final é singularmente trágico e arrebatador. Em verdade, a série Watchmen é um divisor de águas em seu e noutros gêneros. Decerto, é um livro, não uma graphic novel.

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